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segunda-feira, 26 de fevereiro de 2018

Antes da estrada







Por Karla Caetano


Ia sacolejando, sentada nos bancos hora empoeirados, hora emlameados da velha van que mais se assemelhava a um carro de guerra tentando romper a estrada. Estrada nunca fácil.  Sempre longa demais nos seus poucos quilómetros. Por ser longa demais, viajar por ela me levava além dela, em pensamentos distantes. Cada trecho remetia a um pensamento sem tempo e nem espaço, aparentemente muito abstrato. As velhas barrigudas corriam ao lado mesmo que estivessem paradas em seus quase eternos lugares. São majestosas as barrigudas. Entrecortando a visão do horizonte distante. Entre elas, a estrada e o horizonte, pontos brancos preguiçosamente pastejam o verde. Gado branco, cuja história começa em outro continente, mas termina aqui em outro distante. Talvez por causa dele, a estrada, que nem sempre existiu, mas que existe e precisa ser penosamente trasposta. O céu azul quase sempre, ainda. Nuvens que mais parecem borrões de um artista que se cansa delas e constantemente as pinta de novo. As vezes se derramam na estrada e a tornam mais longa e cansativa e escorregadia. Muitas vezes não se derramam e a tornam insuportável, esbraquiçada de pó, que invade os pulmões sem pedir licença. A estrada é sempre a mesma. O que muda são os humores dela, ou de quem passa por ela. Há que se passar por suas provas e há quem diga que mais importante que o destino é o caminho. Eu digo que mais importante que o caminho é a viagem que fazem os pensamentos que passam por ela. A estrada nem sempre existiu, mas os caminhos sempre. Um dia um caminhante cismou de fazer a estrada para que todos fossem obrigados a passar por ela. Tolo. Nem todos passam por ela e os que passam nunca fazem o mesmo caminho. A única coisa que não muda é a terra, que mesmo pisoteada, pastada, lavada pelas enxurradas, revirada ou empurrada de um lado para outro e de volta ao mesmo lado, está lá assistindo e contando a história dos tempos para quem quer que queira saber. A questão é que a história é muito mais longa, infinitamente mais longa que a estrada que passa por ela e pela qual somos impelidos a passar também, em algum ou em muitos momentos. Fatigados ou prazerosos. Vai depender dos humores e da disposição. Da estrada e de quem passa por ela.

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