Início

segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Mormaço

Por Karla Caetano


Floriu, este mundo onde a vista alcança, floriu.
Primavera, de suas cores, da vida desperta. 
Das formas e dos odores. 
Meu cajú floriu;
A mangueira também.
Cagaiteira se vestiu de noiva, coberta de flores brancas.
Até a áloe, perdeu o amargor e floriu!
Ipê, que parecia igual a todo outro ipê, floriu de amarelo, outro de branco,  e outro de lilás, e ainda outro, de roxo.
Cada um escolheu sua cor.
No quintal, até a cebolinha floresceu.
E flor atrai o colorido de outros bichos,
Atrai abelha, 
Atrai a mamangaba,
Atrai borboleta e colibri,
Flor de pequi atrai veado campeiro,
Toda flor atrai gente, porque gente é um bicho atraído por beleza.
Nessa festa de beleza, essa gente com suas traquitanas tecnológicas não resiste.
Põe flor no cabelo e selfie,
Arremata um buquê que arruma em cima das pedras, para melhor contraste, e flash,
Depois olha com orgulho o resultado, compartilha na timeline.
Entre uma foto e outra, já ninguém se lembra do calor que antecede as chuvas,
do bafo quente dos meses de agosto,
da pressão que despenca aos pés e da fadiga que as altas temperaturas infligem.
Ninguém lembra das gotinhas fingidas que despencaram do céu acinzentado,
que encheram de esperanças, quem fechou todas as portas e janelas, fugindo dos rodamoinhos que se formaram lá fora 
e que empoeiraram a casa limpa, sem nenhuma piedade.
Ninguém lembra das inúmeras vezes que disse "Acho que vai chover" em tom de prece.
Talvez porque estes momentos ninguém tenha interesse de emoldurar em fotos.
Nestes momentos, sorrisos são raríssimos  e o tédio é frequente.
Entre as fotos desta primavera e das que antecederam esta não há registro de enfado.
Quem se se animou para registar o sol que se aqueceu? 
Fazendo intensas, a evaporação e a transpiração das águas e das matas.
Quem pelo menos escreveu em poesia sobre o formar das nuvens para que desçam as chuvas?
Chuvas da primavera. Dos frutos que surgem das flores.