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segunda-feira, 22 de janeiro de 2018

A cor escondida

A cor escondida

por Karla Caetano

Numa manhã, depois de uma chuva daquelas que a tempos não se via por ali, 
por causa da estiagem que castigou por mais tempo que de costume, 
pela janela, se via uma cor que já quase estava esquecida, embora diariamente ansiada. 
É que a chuva lavou as folhas, das árvores, dos arbustos, das moitas todas, 
daquelas que não tinham lançado mão das folhas, é claro, 
por questão de sobrevivência, entram num estado de dormência,
já que pelas folhas se respira e por consequência se transpira, 
lançando fora, desta forma, ao vento justamente aquilo que necessita
Água.  Fazer o quê? 
Se é deste jeito que formam as nuvens, das quais jorram, hoje pouco, as chuvas.
Dirão alguns que são os rios que transpiram toda a enxurrada que flutua no céu.
Um pouco é verdade.
Mas se quem alimenta o rio daquilo que mata a sede do bicho-bicho e do homem bicho,
são as chuvas. E as matas também se aliviam nelas enquanto suas raízes servem de guia,
fazendo caminho à água que escorrega por elas até os lençóis escondidos sob a terra.
Também é verdade que ao beberem grande parte dela e que seus segredos metabólicos, hoje, já não tão secretos, as devolvem ao mesmo céu, em outras vaporosas nuvens.
Recomeçam o ciclo.
Ignorância separar o solo da água, a água da planta, a planta do ar vital.
Matam o solo com tantos "cidas" que causa arrepio pensar.
E ainda querem respirar! Meu Deus!
Nesta indignação brotada, já quase se esquece, novamente, da cor.
Daquela do começo, já quase esquecida. Também ansiada.
Ansiada não por preferência, pois há quem prefira branco, azul ou qualquer outra,
Ansiada por significado, nada místico ou subjetivo.
Primeiro por não ser cor comum ao que não tem vida.
Ocultada pela poeira trazida pelos ventos, que recobrem os galhos com o ocre do pó,
que camufla e confunde as formas ao tingi-las numa .só cor, 
aumentando a sensação de aridez e de sufocamento misturado a agonia
do calor, do suor grudando na pele e da angustia de lutar mais um dia, outra vez.
Os olhos dos bichos tornam-se baços pela saudade que sentem de vê-la.
Pelo que ela significa.
Porém depois do mormaço, das nuvens enegrecidas que alguma vez olharam a terra e que
foram embora tantas e repetidas vezes, carregadas pelas correntes quentes, 
eis que finalmente,
Naquela manhã chuvosa, quando o ocre se misturou ao marrom das poças de lama,
Ela surge tingida de esperança, a qual, conhecidamente representa.
Ainda, a contra gosto de alguns homens, existe uma cor que mais do que outras,
representa as outras. Pelas tantas vezes que as precede.
já que pinta os frutos antes do ponto da colheira, pinta a seiva vegetal.
E também o sangue que diária e constantemente, inconsciente ou deliberadamente 
é derramado nas matas e nos campos. 
E pensar que nas gôndolas dos supermercados, 
onde destacam-se os frutos da indústria e das esteiras de produção,
e produtos com tantos "antes",
ela já quase não se representa, 
nem se apresenta em sua forma pura e simples.
Preterida, dá lugar aos carmesins e tartrazinas, caramelos e índicos, e a um tal litol.
Não há de chegar o dia no qual as crianças nem saberão o que fazer com ela, 
em meio as cores dos gizes, aquarelas e lápis de colorir.
Bem antes disto, sua ausência será presságio de fome e promessa de morte.
É preferível lembrar que ainda, logo após a chuva, 
fazendo fundo as outras cores,
Ela é aquela cor que se destaca entre todas.





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