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segunda-feira, 29 de janeiro de 2018

A convenção dos calangos

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Por Karla Caetano


Nesta manhã, quando me dirigia à área de serviços para cuidar de algumas roupas, me deparei com uns três ou quatro calangos junto a porta que correram assustadíssimos ao perceber minha aproximação. Logo suspeitei que poderiam estar tramando alguma coisa. Fiquei resolvida a pega-los em flagrante e comecei a espreitar. 
A casa é grande e suas paredes, exceto por dois quartos, não são rebocadas. Alguns tijolos estão furados e servem de excelentes esconderijos. Vez ou outra, algum calango fica à vista. O corpo imóvel, estático, a espreita, de tocaia, pois em algum momento assaltará com grande agilidade um grilo, uma traça, uma formiga distraída em sua labuta, alguma aranha. Bem por causa disso, por este serviço de dedetização, são tolerados pela casa. Sequer nos causam asco, como se poderia pensar. Antes são admirados pela força. Sim, pela força. Qualquer criatura que tolere o próprio peso contra a gravidade, no teto ou pelas paredes, as vezes por horas, tem força digna de nota. Notamos. Inclusive, somos agradecidos por serem tão pequenos. Se fossem do tamanho de um cachorro, certamente os temeríamos como se deve temer aos dragões de Komodo, a ilha que se não me engano, fica na Indonésia. Mas aqui não é lá, e nossos dragões não correm atrás de gente. Correm, de gente. Como correram no outro dia.
Continuo na espreita (palavra da vez). Nada. Nem uma conversinha rápida, aquela balançadinha típica de cabeça, como se eles não aguentassem o peso no pescoço. Nem isso. Minto. Na verdade outro dia, sem querer, por coincidência peguei meio que por baixo da máquina de lavar, um sobre outro e pelo visto, se acasalavam. Não dá pra dizer, que todo bicho, salvo os peixes, não façam isto. Então deixei-os em paz. Que poderiam estar tramando, senão multiplicar-se e além, parece que precisamos mesmo de mais destes pequenos répteis jurássicos por aqui. Os mosquitos, sanguinários vampiros, andam, corrigindo, voam aos montes. Zunindo. Avisando que somos sua refeição e apavorando nossos ouvidos nas noites quentes de verão. E embora tenhamos o cuidado de tampar as caixas d'água e os peixes do tanque não permitirem que se proliferem ao alcance deles, nossa vizinhança parece não ter os mesmos cuidados.
Precisamos ao menos tentar restaurar algum equilíbrio nesta terra que nós mesmos desequilibramos. Por isso, acredito, houve um tempo que quase não tínhamos mais calangos por aqui, nem daqueles vistosos de duas cores, que hoje passeiam pela grama do jardim, por causa dos gatos que os caçavam sem piedade. Explico. Gatos caçam ratos e por isto eram bem vindos, mas quando os ratos somem, ou por que foram comidos ou por que fugiram, então sobram os calangos. Neste tempo, nem eles sobraram. Os bem-te-vis tão espertos para pescar no tanque, quanto para fugir de gatos não se serviam como refeição. Então, apesar da ração oferecida algumas vezes ao dia, os bichanos cismaram de subir no fogão e derrubar o almofariz de louça que a amiga trouxe de presente quando foi a Portugal em uma viagem. Confesso a ira, mas juro solenemente que ela nada teve haver com o sumiço dos gatos, primeiro um e depois o outro. Certo dia decidiram não voltar pra casa e não os culpo, já eu mesma não suportaria viver de ração. O fato é que decidimos não ter mais gatos. 
Eureka!
Agora sei o motivo da reunião! Aquela que eu interrompi a caminho da área de serviços. Marcavam uma convenção onde tratariam do futuro da espécie nesta casa. Obviamente. Explico novamente. Outro dia, enquanto eu observa um calango tentando lidar com uma barata, que claramente veio em alguma caixa de supermercado de uma compra na cidade que... enfim, isto é uma outra história. Voltemos ao calango que lidava com a barata e era observado com olhares de (eca!), inveja, por outro, quando minha filha entrou pela porta perguntando se não seria melhor arranjarmos um outro gato - bem nesta hora percebi que o calango deixou a barata escapar - o gato viria ainda filhote, ela disse, para se acostumar com a casa, mas em pouco tempo cresceria o bastante. É que, no dia anterior, um rato apareceu. 

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